13 fevereiro 2017 | Peter Harris | 1 comentários

Por que a conservação é uma questão central do evangelho

Um relatório do Congresso Mundial da Conservação, 1–10 de setembro de 2016. Publicado pela primeira vez na Christianity Today em 8 de setembro.

A União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais reúne-se de quatro em quatro anos. A reunião deste ano em Honolulu, Havaí, é realizada sob o impacto do Relatório Planeta Vivo de 2014 do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) que declarou que, em apenas 40 anos, mais da metade da vida natural do planeta foi extinta.

Até há pouco, o movimento conservacionista tem sido esmagadoramente secular. Mas o que está se sentindo agora é que esta é uma crise moral e até mesmo espiritual. Como Gus Speth, que ajudou a fundar o National Resources Defense Council (Conselho para a Defesa dos Recursos Naturais) e foi reitor da Yale School of Forestry and Environmental Studies (Escola Yale de Investigação em Silvicultura e Ambiente), declarou a um apresentador de rádio britânico em 2013:

«Eu costumava pensar que os principais problemas ambientais globais eram a perda de biodiversidade, o colapso dos ecossistemas e as mudanças climáticas. Eu achava que em 30 anos de boa ciência poderíamos resolver esses problemas, mas eu estava errado. Os principais problemas ambientais são apatia, ganância e egoísmo, e para lidar com estes, necessitamos de uma transformação espiritual e cultural. E nós, cientistas, não sabemos como fazer isso.»

Refletindo esta mudança de ênfase, este ano está incluída pela primeira vez no programa da conferência uma «viagem de espiritualidade». A escolha do local da conferência para a região do Pacífico, onde a vida espiritual não é tão divorciada da vida pública como na Europa, também pode fazer a diferença. Na cerimônia de abertura, numa linguagem acentuadamente diversa da usada em congressos anteriores, agradecimentos foram feitos ao «Nosso Pai celestial» por sua «criação». Na verdade, muitos profissionais de conservação e cientistas, particularmente mas não exclusivamente do hemisfério sul, têm uma fé cristã vibrante. No entanto, integrá-la em sua vida profissional pode ser um verdadeiro desafio. Eles trabalham com paradigmas e linguagem, tais como «gestão dos recursos naturais» ou «serviços ecossistêmicos», que assumiram forma antes dos dias do envolvimento cristão. Considere o contraste com o trabalho médico, por exemplo, que desenvolveu-se em todo o mundo ao longo de muitos séculos, decorrentes especificamente da compaixão cristã.

O saí-apapane (Himatione sanguinea) é uma bela espécie, porém em extinção, endêmica no Havaí

O saí-apapane Himatione sanguinea é uma bela espécie, porém em extinção, endêmica no Havaí.

Talvez por causa deste desenraizamento (tem sido dito que o ambientalismo é «uma ética em busca de uma religião») e também porque os decisores políticos e pessoas comuns muitas vezes parecem desligados do perigo claro e presente à biodiversidade, o movimento global de conservação está urgentemente à procura de clareza sobre por que a natureza é importante. Atualmente, existem duas propostas principais: a natureza é importante porque precisamos dela para sobreviver como espécie humana, e a natureza tem valor intrínseco. Ambas encontram ecos no Evangelho cristão, mas nenhuma das duas é adequada por si só (ver artigo em inglês no nosso blog: ‘How to smell a stradivarius’). Os cristãos poderiam apontar para o alcance global, na verdade cósmico, da linguagem de Paulo quando ele fala sobre Cristo «reconciliando consigo todas as coisas» (Colossenses 1:20), para a imagem da criação inteira gemendo enquanto espera pela libertação da humanidade de sua escravidão ao pecado e à servidão que ele traz (Romanos 8:19–24) e o Salmo 104, um dos primeiros e mais belos hinos à biodiversidade, com a convicção de que Deus fez tudo em amor e sabedoria.

Mas o compromisso cristão mais profundo com o movimento de conservação vai expor algumas verdades desconfortáveis. A Rocha é a única organização de conservação internacional cristã presente entre os 9.000 delegados do Congresso. Se esse fosse um evento internacional semelhante sobre desenvolvimento humano ou alívio de desastres, mais de metade das organizações presentes admitiria ter uma identidade ou história cristã.

Então fica parecendo aos nossos colegas e amigos do mundo de conservação que muito poucos cristãos se importam, mesmo que nos ouçam dizer que cremos que a terra é do Senhor, e não meramente um ambiente de “recursos naturais” para o desenvolvimento econômico humano. Os conservacionistas ouvem mensagens de indiferença, ou pior, de alguns dos líderes cristãos mais vocais que encontram na mídia. O evangelho da prosperidade que ressoa em tantas partes do mundo, com sua aceitação irrefletida de um consumo desenfreado, não faz sentido para aqueles que possuem senso crítico sobre limites e fronteiras planetárias. Portanto, não é de surpreender que muitos líderes de conservação sejam céticos em relação à fé cristã ser transformadora.

Conexões pouco familiares

Há duas coisas que podemos fazer para ajudar a mudar essa percepção. Primeiro, nós podemos ajudar aqueles que vêm fazendo um ótimo trabalho a contar suas histórias mais amplamente. Esta manhã, quando encerrávamos a reunião de oração que realizamos todos os dias na sala de exposições do Congresso, Osvaldo Munguia de Honduras me contou sobre o trabalho de sua organização, Mopawi. Mopawi trabalha em nome do povo Miskito, que vive na floresta tropical de Honduras Oriental. Com grande sacrifício, motivado pela oração constante e enfrentando intensa pressão do governo e dos interesses do agronegócio, Munguia e Mopawi têm garantido direitos à terra e, assim, grandes ganhos de conservação, para mais de 1,4 milhões de hectares − um feito único na América Central.

Parte da equipe de A Rocha, com amigos, no estande.

Parte da equipe de A Rocha, com amigos, no estande.

Há muitas histórias de heroísmo silencioso como esta a serem contadas, mas mídia cristã, muitas vezes, não consegue fazer a conexão entre a missão evangélica e as questões ambientais, e dá-lhes pouca atenção. A mídia secular, por outro lado, que está habituada a dar cobertura a ativistas ambientais, fica confusa com a agenda mais ampla e mais holística de muitos grupos cristãos. Eles nunca encontraram pessoas, motivadas pela fé, que combinassem uma preocupação pelos animais e justiça social, ou pela saúde ambiental e econômica. A encíclica Laudato Sì do Papa Francisco vem ajudando a apresentar um discurso diferente e melhor a audiências, tanto cristãs como seculares, mas ainda há muito mais o que fazer.

Precisamos também mudar como o dinheiro cristão é tanto ganho como distribuído − ajudando cristãos generosos a ganharem seu dinheiro de forma mais em linha com aquela pela qual o ofertam. Não faz sentido enriquecer através do empobrecimento da excelente terra de Deus e, em seguida fazer doações dos lucros para reparar danos humanos e à criação. Para reparar a devastação ecológica que é responsável por tanto sofrimento humano, será preciso alocar muito mais doações por parte dos cristãos. Muito sofrimento humano tem origem em causas existentes numa criação que geme: perda de espécies, desmatamento, escassez de água, poluição, mudança climática e muitos dos outros desencadeadores bem documentados das crises do nosso século.

Todas as criaturas de Deus

Alguns dias antes do Congresso, o Presidente Obama anunciou a criação da maior reserva marinha do mundo, o Monumento Marinho Nacional Papahānaumokuākea ao longo da costa do Havaí. A reserva existente aumentará mais que quatro vezes de tamanho, expandindo-se para um pouco mais de 1,5 milhões de km², mais ou menos o tamanho do estado do Amazonas, ou dezesseis vezes a área terrestre de de Portugal. Mesmo assim, outro Presidente que falou no Congresso, Tommy Remengesau de Palau, enquanto elogiava Obama por cimentar «seu legado como um líder dos oceanos», desafiou os Estados Unidos a seguirem o exemplo de Palau, que transformou 80 por cento da sua zona marítima econômica exclusiva em águas protegidas. Atualmente, apenas 2 por cento das águas mundiais são designadas como santuários marinhos. Palau pretende encaminhar uma moção que elevaria este número para 30 por cento. (Nações do Pacífico como Palau podem ser minúsculas em termos de população e área terrestre, mas elas controlam áreas da superfície terrestre equivalentes a quatro vezes a dos Estados Unidos). Muitos cientistas duvidam que mesmo estes objetivos ambiciosos possam solucionar a escala e o ritmo de redução atual das espécies marinhas. Da mesma forma, o Acordo de Bona de 2011 visa a restauração de 1,5 milhões de hectares de floresta, que é uma perspetiva maravilhosa e parece muito impressionante. Mas vista diante da estimativa de 2014 do Fundo Mundial para o Ambiente de que 2 bilhões de hectares de floresta estão degradados a nível global, parece ser muito aquém do que é necessário, não menos porque a área degradada tem crescido substancialmente desde as últimas pesquisas.

Até que uma maneira verdadeiramente convincente e coerente de valorização da natureza capte a atenção de políticos, empresários, agricultores e pescadores, provavelmente veremos a continuação das tendências devastadoras atuais. Cristãos, é claro, têm exatamente essa visão coerente à sua disposição, e há muitos cristãos ao redor do mundo que estão profundamente envolvidos no cuidado da criação. Mas estamos apenas começando. Nosso culto, trabalho e testemunho serão incompletos até que nossa responsabilidade por conservar a diversidade gloriosa e divina das criaturas da terra se torne um hábito.

Você pode ver a contribuição de quinze minutos do Peter para um painel interreligioso no Congresso Mundial de Conservação no vídeo abaixo (em inglês).

Tradução: Elisa Gusmão

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Categorias: Reflexões
Sobre Peter Harris

Peter e Miranda se mudaram para Portugal em 1983, para criar e gerenciar o primeiro centro de estudos de campo de A Rocha. Junto com seus quatro filhos, eles viveram no centro por doze anos até 1995, ano em que o trabalho foi colocado sob liderança portuguesa. Aí eles se mudaram para a França, onde criaram o primeiro centro francês, perto de Arles, onde viveram até 2010, ao mesmo tempo que coordenavam e ofereciam suporte às lideranças desse movimento em rápido crecimento. Agora eles estão de volta para o Reino Unido, por forma a continuarem o suporte a toda a família A Rocha por todo o mundo, e ao mesmo tempo ficarem mais próximos da sua própria família, incluindo seus netos. Eles contam sua história em Under the Bright Wings (1993) e Kingfisher’s Fire (2008).

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