O nosso orgulho provoca a queda da terra?
Quais são, na sua opinião, os principais problemas ambientais? Perda de biodiversidade? Poluição? Mudanças no uso do solo? É provável que possa escrever uma longa lista, mas não sei quantos itens chegariam à sua lista antes de escrever «orgulho», «injustiça» e «ganância» – no entanto, todos eles parecem figurar como problemas ambientais na Bíblia hebraica.
O Salmo 104 é uma exploração do propósito da criação. O mundo criado revela Deus, refletindo a sua glória e bondade – Deus que «estendeu os céus como um véu» e «assentou a terra sobre bases firmes» (Salmo 104:2, 5). Por sua vez, a criação louva a Deus – «todos esperam de [Deus]» (Salmo 104:27). Mas para além disto, há dois elementos adicionais da teleologia da criação na Bíblia hebraica que são menos positivos. No final do Salmo 104, o salmista profere um clamor apaixonado contra o mal e a maldade depois de ter exaltado as maravilhas da terra e o poder criador e sustentador de Deus: «Que desapareçam da terra os pecadores! Que deixem de existir os que praticam o mal!» (Salmo 104:35). Este não é o salmista que lamenta a existência da humanidade dentro do mundo criado, mas retoma temas encontrados noutros textos proféticos. Primeiro, que a própria terra chora e lamenta a pecaminosidade humana (p. ex. Oseias 4:1-3). Segundo, que a crítica profética contra a injustiça invoca a própria terra (p. ex. Amós 8:4-8).
Não estamos habituados a atribuir capacidade de atuação à criação ou a considerar que existe uma relação entre Deus e o mundo criado que existe independentemente de nós – que não requer nem a nossa mediação, nem a nossa aprovação. No entanto, esta é uma relação claramente retratada na Bíblia hebraica. O Salmo 104 assume facilmente uma interação entre a providência de Deus e a ação ou agência natural atribuída às criaturas de Deus (versículos 14-18). Não há contradição entre a ação divina e natural nas mentes dos autores bíblicos: Deus providencia e encerra o propósito divino; a criação age em resposta. Basta pensar na linguagem do Salmo 10:14, «Fazes crescer os pastos…» e comparar com Génesis 1:24, «Que a terra produza». Tudo o que a criação é e faz é uma resposta à pessoa de Deus e à sua ação no mundo.
De facto, o Salmo 104 espelha a estrutura dos dias da criação em Génesis 1, passando da descrição de maravilhas cósmicas, tais como a formação da luz e a criação dos céus, até ao que poderíamos chamar de ecologia terrestre. O universo criado de Génesis 1 funciona da forma como Deus pretendia que funcionasse, e somos novamente recordados, em forma poética, da atividade criativa de Deus, tanto no Salmo 104 como em Job 38-39.
O clamor no fim do salmo contra a maldade humana é feito dentro deste contexto. Somos parte do mundo criado, mas embora possamos agir sem consideração pelos outros, tanto humanos como não humanos, não podemos agir desta forma sem consequências. O nosso orgulho pecaminoso tem impacto sobre a terra, e a terra clama a Deus.
É digno de nota que a descrição mais predominante de seres humanos na Bíblia hebraica, começando por Génesis 2, se refere à nossa transitoriedade – como erva que murcha, flores que desvanecem, ou, como aqui no Salmo 104, voltando de novo a ser pó após a morte (Salmo 104:29). Somos encorajados a recordar que também nós somos feitos para louvar a Deus, e que também nós pertencemos à comunidade de toda a criação. Em vez de um orgulho egocêntrico, devemos adotar uma humildade altruísta, atentos à nossa transitoriedade e mortalidade e à nossa dependência de Deus.
Para um artigo completo sobre este tópico ver: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/1756073X.2022.2069541