O longo e benéfico caminho da comunidade
«Então, como vai a comuna?» Pergunta o homem de cabelos castanhos e lisos. Vejo pelo seu sorriso que ele acha que está sendo original.
«Está ótima», respondo. «Mas não é comuna. É uma comunidade.»
Ele ri. «Você não me engana. Muita gente. Hortas orgânicas. Espaços de moradia em comum. Sauna. É uma comuna.»
Não somos! Quero protestar. E então penso: Por que me sinto tão defensiva? Por que NÃO quero ser identificada com uma comuna?
Acho que tem a ver com as caricaturas mais populares das comunas. Primeiro, a variedade hippie: lugares cheios de amor livre, ideais utópicos e mulheres com as pernas cabeludas. Ou segundo, a variedade fundamentalista: lugares cheios de regras, cabeças cobertas e rostos austeros.
Felizmente, a Fazenda Kingfisher, o meu lar e o lar de mais 24 pessoas, não se encaixa em nenhum destes estereótipos.
Eis a história: Há uns cinco anos e meio meu marido e eu reunimos alguns amigos, alguns que mal conhecíamos, e perguntamos se queriam comprar uma fazenda em conjunto. (Uma fazenda que havia servido como o Centro Ambiental A Rocha que ajudamos a fundar.) É uma decisão importante – comprar uma fazenda – e mais ainda quando feita com pessoas com quem você não tem laços de sangue e, em alguns casos, muito pouca história. Portanto, nos reuníamos em grupo duas vezes por semana durante uns cinco meses para nos conhecermos. Em conjunto tentamos descobrir:
a) Gostamos uns dos outros o suficiente para morar juntos?
b) Compartilhamos visão e valores suficientes para tornar este lugar mais do que um grande parque de diversões para nossos filhos?
c) Temos dinheiro suficiente para fazer isso funcionar?
Em uma noite chuvosa, discutimos os nossos valores principais de cuidado com a criação. Um homem do grupo (lhe daremos o nome de Ralph) argumentou a favor de padrões ambientais para a nossa pequena fazenda. Ele escolheu sabão para lavar louça como seu estudo de caso. Deveríamos todos concordar e usar sabão ecológico, biodegradável, sem exceção. Alguns resistiram. Não tínhamos nada contra sabão biodegradável em si, mas não queríamos ter leis na nossa cozinha.
Ralph ficou confuso.
Rick (seu nome verdadeiro) expressou o que estávamos tentando articular. «O que o mundo precisa», disse Rick de maneira pensativa, «não é pessoas que possam viver unidas com um alto padrão. O que o mundo precisa é um grupo de pessoas que se entendam, apesar das suas diferenças.»
Ralph deixou a conversa desapontado. Tão desapontado, soubemos depois, que mal conseguiu dormir. Na próxima reunião anunciou que a sua família se retiraria do processo. Eles sentiam, foi uma decisão bem difícil, mas precisavam de padrões mais firmes. A conversa do sabão foi, evidentemente, apenas a ponta do iceberg.
«A paz leva tempo», escreveu Stanley Hauerwas.
É por isso que vivo em comunidade. Não dá para se afastar de um amigo irritante quando a sua assinatura aparece rabiscada ao lado da sua nos documentos da hipoteca! Um compromisso com os meus 24 colegas fazendeiros no longo prazo criou uma estabilidade que possibilitou o crescimento do amor e do perdão. Temos realmente mantido os nossos ideais mais elevados, mas não pregando ou acusando. Fui incentivado, por exemplo, a resistir à narrativa dominadora de consumismo e individualismo da América do Norte ao ver os meus colegas fazendeiros fazer compras em lojas de segunda mão, prestar ajuda aos refugiados e cultivar verduras sem pesticidas ou herbicidas.
Não me entenda mal, a gente tem tido dificuldades! Alguns do nosso grupo moraram em espaços muito pequenos – uma família inteira morou em uma garagem durante dois anos enquanto construíamos o duplex para eles. Alguns aguentaram trabalhando muitas horas em hortas enquanto outros se mandavam para empregos confortáveis em escritórios. Cinco anos de vida em conjunto significam um caleidoscópio de oportunidades para mal-entendidos e sentimentos feridos.
Mas é no desafio da vida em comunidade que a vida e os ensinamentos de Cristo se tornaram tangíveis para mim.
A comunidade mostrou-me que a transformação só ocorre com a morte – morte à necessidade de controlar; morte à minha preferência de viver em isolamento das pessoas que me irritam; morte à autodeterminação sem se importar com a rede de relacionamentos impactada pelas minhas decisões.
A comunidade mostrou-me que a unidade não vem da uniformidade, mas sim de uma vida compartilhada, formada por suor e músculos doloridos, refeições compartilhadas, canções e orações em conjunto.
A comunidade mostrou-me que a relação de vida da Trindade é melhor expressa na relação de vida de indivíduos que almejam boa vontade e se amam uns aos outros, distribuindo graça aos que são diferentes de nós.
E não queremos todos ser amados?
Tradução: Marina Hennies / Elisa Gusmão
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