Obcecados com o início e com o fim
Recentemente, eu estive em Catmandu, falando sobre cuidado com a criação para um grupo de aproximadamente 90 líderes cristãos vindos do Nepal, Índia, Paquistão, Sri Lanka e Bangladesh. Eles estavam realmente receptivos… até que eu cheguei na parte dos planos futuros de Deus para a criação (escatologia, caso você goste de jargões). Mas nós iremos todos para o Céu, não é mesmo? E o Arrebatamento? Não haverá uma nova criação? A terra não será destruída pelo fogo? Foram levantadas tantas questões que tivemos que achar tempo extra no programa para uma sessão de 90 minutos de perguntas e respostas sobre o destino final da criação e suas implicações para o cuidado com a criação.
Isto me fez refletir sobre o grau em que teologias tóxicas (devendo mais ao consumismo e individualismo que às Escrituras) têm sido exportadas do Ocidente para tantas partes do mundo (*), e mais profundamente, sobre como alguns cristãos gastam tanto tempo e energia em começos e términos. Tantas das questões tão antigas e cansativas que A Rocha repetidamente enfrenta estão relacionadas a “como o mundo começou” (criação ou evolução) e “como o mundo terminará” (destruição ou renovação).
(*) Veja meu blog anterior Que futuro para o planeta Terra? e em mais profundidade meu capítulo, “Jesus is Lord … of all?” Evangelicals, Earthcare, and the Scope of the Gospel no livro Creation Care in Christian Mission (ed. K Kaoma, Regnum Books, 2015)
A Bíblia, na verdade, fala muito pouco sobre os detalhes da criação ou dos planos finais de Deus, e talvez isso seja intencional. Os escritores bíblicos não estavam muito interessados em saber como a terra foi feita ou como Deus iria finalmente encerrar as coisas. Eles não eram filósofos especulativos, historiadores racionalistas ou cientistas modernos. Eles eram fazendeiros, poetas e profetas, enraizados nas realidades do dia-a-dia. Eles estavam, e eu sugiro que nós também deveremos estar, muito mais interessados em como nós devemos viver agora mesmo à luz dos planos e propósitos de Deus. Eu sugiro que as questões sobre as quais se focam Gênesis 1–3 e Apocalipse (assim como partes de Daniel, 2 Pedro e outras passagens do “fim dos tempos”) incluem também estas:
- Qual é o caráter deste Deus que detém o destino da criação?
- O que significa ser-se humano dentro de um mundo de muitas criaturas e um Deus?
- Como devemos viver à luz dos planos de Deus para o mundo?
- Como Deus lida com, e como nós podemos viver com, a realidade do sofrimento, da morte e do mal?
Essas são questões mais morais do que filosóficas. É interessante que as parábolas de Jesus em Mateus 25 focam menos no detalhe do últimos planos de Deus e mais em como nós deveríamos estar vivendo à luz deles. Estamos prontos para o retorno do noivo (1–13)? Temos sido bons administradores do que nos foi confiado (14–30)? Estamos tratando os mais vulneráveis de forma que honre a imagem de Deus neles (31–46)? Superficialmente essas questões não aparentam ter implicações ecológicas, mas na verdade todas elas têm. Manter nossas lâmpadas acesas é sobre viver sob o senhorio de Jesus sobre toda criação. Se tudo foi criado por Jesus e para Jesus, e todas as coisas subsistem por Jesus (Colossenses 1:15–17), então permitir que a natureza seja abundante revela o senhorio de Jesus. Os “talentos” em 14–30, são, na verdade, a riqueza material da criação, seja em forma financeira ou material, e nós somos responsáveis por nossa administração dos recursos naturais. Na terceira parábola, os famintos, sedentos e estrangeiros em quem nós deveríamos ver Cristo hoje, são frequentemente vítimas da mudança climática, insegurança alimentar, falta de água, desflorestação e desertificação. Nós poderíamos até, talvez, ver “um destes pequeninos” como incluindo as outras criaturas, as espécies dizimadas e levadas à extinção por nosso abuso da boa criação de Deus.
Então, da próxima vez que você for distraído por questões sobre como a terra foi feita ou tudo isso irá acabar, pare e desafie o questionador. A Bíblia parece muito pouco interessada em tais questões especulativas, e na minha experiência elas são, frequentemente, uma desculpa para ignorar o imperativo para mudar nosso comportamento. Tentar argumentar com um criacionista ou dispensacionalista convictos raramente leva a qualquer lugar. Ao invés disso, mude o foco. Jesus frequentemente respondeu a questões inúteis fazendo uma pergunta diferente. Tente perguntar, «Se a criação existe para Jesus, como ele gostaria que nós tratássemos dela?», ou «O que significa em termos práticos desejar que venha o reino de Deus e a Sua vontade ser feita na terra, como é nos céus?», ou até, «O que você tem feito pela menor das criaturas de Deus?» No Nepal, nós descobrimos que mudar o foco dos detalhes da teologia do fim dos tempos para viver o senhorio de Cristo aqui e agora, tangivelmente mudou a atmosfera.
Jesus é o mesmo ontem, hoje e para sempre, mas nosso trabalho é viver como se ele fosse o Senhor, hoje mesmo, no lugar onde ele nos colocou. Quanto ao resto, nós podemos confiar que Deus irá resolver!
Tradução: Thiago Machado
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